segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

CRÔNICA DA DIGITAÇÃO


O barulho seco chicoteado do contato da tecla com o papel, e este, com o rolo da máquina de escrever inicialmente era irritante, chegando a causar susto no aluno de datilografia. Eu confesso que apanhei muito, principalmente porque a falta de habilidade fazia com que a digitação saísse dobrada. O que tinha de “ddaaddoo” e “ccaassaa” nas primeiras tentativas livres de “bater” um texto na máquina de escrever. Deve ser por isso que a Irmã Maria Costa não gostava que a gente tentasse, de cara, escrever palavras ou frases. Ela preferia que nós começássemos do início, como deveria ser: “asdf (espaço) asdf (espaço)”.
Eu no meu mundinho adolescente me perguntava: “para que diabos isso vai me servir?”. E vi-me como um profeta, quando de repente, como num apocalipse das máquinas de escrever, pude perceber o seu desaparecimento das repartições públicas. Pensava comigo: Bem que eu dizia, que o tempo que eu gastei naquele quarto quente da Casa Paroquial, sentado naquela cadeira dura, com meus dedos inchando, sem poder olhar as teclas, que eram protegidas com uma espécie de tábua, havia definitivamente sido em vão. Eu sabia que isso aconteceria. Um dia algo melhor que a máquina de escrever com certeza iria aparecer, só não imaginava ser contemporâneo dessa evolução. Eles chegaram tão rápido, invadiram as secretarias das escolas, os comércios e as nossas casas.
Quando um dia, é publicado um edital para concurso público da prefeitura municipal, no que resolvo dar uma olhada para ver se havia algum cargo que condissesse com minhas qualificações que eram respectivamente: faxineiro, pintor de paredes, músico e datilógrafo. Eita! Só as vagas para serviços gerais estavam mais próximas das minhas habilidades. Opa, opa, opa! O edital apresentava um novo cargo, até então desconhecido da população, digitador. Pensei logo: se me inscrever para este, com certeza vou concorrer com gigantes da computação, não chego nem ver a poeira, ainda mais que, são apenas 3 vagas, além do fato de que eu não gostava de computadores, achava esquisito.
Como sempre acontece quando se tem bons amigos, incentivos não faltaram e decidi fazer a inscrição, agora era se preparar. A empolgação começou a tomar-me, comprei a apostila, mas topei com um obstáculo: como praticar, se computador em casa de pobre não era permitido naquele tempo? Porém, esqueci de mencionar, naquela época eu trabalhava na Escola Adail Freitas Marinho, como bibliotecário (serviço chato). Até tinha uma máquina de escrever na biblioteca, mas não ia me servir. Foi aí que me veio do céu (como sempre acontece) uma luz. Naquele dito mês do lançamento do edital, é instalado um microcomputador na sala da diretora. Pensei: é isso! Bem. Coragem não é coisa que nasce com todo mundo. Envergonhado, não “peitei” a diretora a deixar que eu praticasse no computador novo, presumindo que esta não permitiria. Então, quando ela viajava, eu, de conluio com alguns funcionários, adentrava a sala da diretoria, cheirosa a bom ar, cadeirinha macia e aquele aparelho novo, com cheiro de plástico. Não sabia ligar, diga-se lá usar. Após várias tentativas, consigo fazer contato com aquele ET. Mesmo passando um tempo considerável, eu tinha plena certeza que não seria suficiente para a empreitada que me dispunha. Numa dessas viagens, a diretora resolve voltar para buscar algo que havia esquecido, dando-me aquele flagrante, carregado de um carão, pelo que fiquei mortificado, mas ao final confortado, quando ela, na conclusão de seu discurso afirmou que daquela hora em diante eu seria o digitador oficial da escola, até que um concursado viesse a assumir a função.
O dia do concurso chegou, a prova teórica estava relativamente fácil, mas tinham inventado uma tal de prova prática, o que me deixou por demais temeroso. O tempo de digitação e os erros de ortografia seriam considerados. Os primeiros participantes, conhecedores dos segredos computacionais, haviam combinado usar um recurso chamado colar, que eu, até então, desconhecia. Então, eles sentavam no computador, demoravam um pouco e colavam o texto que o anterior havia feito. O fiscal marcava o tempo com um cronômetro. Nisto, eu percebia que não ia poder competir com eles, já que eram muito rápidos. Daí, quando me deram um pequeno texto de três parágrafos, incluindo o título, vi que não era tão ruim. Naquela hora voltei a ser um datilógrafo e datilografei o mais rápido que podia.
Consegui ser aprovado em segundo lugar, meu tempo de prática foi muito bom exatamente porque eu digitava rápido. E foi justamente essa datilografia que eu tanto desprezei que me garantiu a vaga naquele concurso. Às vezes, um ofício pode até ser desagradável, mas, com certeza, carrega sua importância e poderá em uma oportunidade ser útil. Hoje sou professor de Informática Básica e Língua Portuguesa, porém, foi como digitador que minha vida profissional ganhou projeção, sendo, durante muito tempo, minha principal fonte de renda. Mas, foi a visão daquela diretora, Sinhá Lúcia Freitas Martins, que despertou em mim o potencial que eu próprio desconhecia e concedeu-me a oportunidade de minha vida.

Abraço, até a próxima.

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